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Cristão que apoia ditadura e golpe beija Judas e faz cafuné em Pilatos

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Por Denis Eduardo Serio

Recentemente, uma manifestação fascista (autoproclamada) em São Paulo surpreendeu ao lograr ter entre seus quadros dois seminaristas católicos. Outros protestos são chamados por aí de Marchas da Família com Deus. Há também os cristãos que abertamente e desavergonhadamente fazem campanha em suas timelines pedindo golpe, exaltando a ditadura militar brasileira e defendendo o impeachment da presidenta Dilma, como se a esta altura do campeonato isso também não fosse um golpe.

Certamente temos aqui uma evidência da falência do ensino bíblico nas escolas dominicais Brasil afora. Como um cidadão pode ler a Bíblia e achar normal que pessoas tenham sido torturadas e mortas por causa de suas opiniões? Diante da quantidade massiva de informações disponíveis e da história, que já está escrita, negar-se a reconhecer a gravidade dos atos do regime militar é como ser nobreza no Império Romano de 1 D.C.

Em qualquer estrutura religiosa sã, um fiel que postasse tais barbaridades em sua timeline seria afastado de suas funções eclesiásticas para um período de reciclagem bíblica e desintoxicação psicológica. Porém, no evangelho brasileiro, parece-me que as moedas de Judas não são um tesouro assim tão deplorável.

A mentira que causou a morte de Jesus, vista com o mínimo grau de antropologia bíblica, não foi nada além do que mais do mesmo na humanidade. Porém, hoje ela é um símbolo cristão que carece de simbologia prática.

Comparemos sociologicamente os cenários: uma pessoa que prega de forma diferente do que o status quo permite é delatada, perseguida, torturada e morta. Repararam alguma semelhança entre a morte de Jesus e a ditadura brasileira? Claro que não há comparação entre personagens, importância histórica, períodos e muito menos espiritualidade, mas o roteiro assusta de tão familiar.

Assusta por uma simples razão: sociologicamente Jesus era um ser humano de esquerda no contexto de seu tempo. Basta olhar as suas companhias para se dar conta de que elas não eram as mesmas que frequentavam a alta cúpula das famílias do poder. Por outro lado, o poder romano representava o que hoje chamamos de direita: uma força política conservadora na tentativa de manter o seu controle sobre os indivíduos e a sociedade.

Não estou falando que cristão deve ser de esquerda. Mas uma coisa é certa: antes de sair por aí proclamando que esquerdista é satanista, pense na vida daquele a quem chamamos de Salvador.

De fato, temos visto muito mais vergonha cristã vinda de evangélicos conservadores do que progressistas.

Lembro-me de uma vez que comecei a debater com um pastor que entrou na manada convertida à “odiologia”. O assunto era a crise na Santa Casa de São Paulo, causada pela falta de repasse do governo estadual do dinheiro investido pela União nas Santas Casas. Mas esse pastor insistia em falar que a culpa era do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad.

Foi só eu expor a ignorância dele em público no Facebook e escancarar para os fiéis que ele mal sabia do que falava que eu levei para casa uma “benção” de que eu perdera a minha salvação e iria para o inferno. Isso mesmo: nas entrelinhas, ele achou que Deus, em algum momento, deu a ele a prerrogativa de dizer quem seria salvo e quem não.

Ele é apenas a síntese da igreja ignorante que julga ser mais moral que o mundo, mas acha que a ditadura brasileira fez bem ao país.

*Denis Eduardo Serio é jornalista, evangélico de berço e progressista de adulto

O que Karl Marx fez de tão grave para ser odiado nas igrejas?

Por Denis Eduardo Serio

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Não sou marxista. Creio que para o marxismo ser possível, profundas mudanças sociológicas e antropológicas seriam necessárias. A primeira delas: a extinção da raça humana. Enquanto seres altamente vaidosos forem os que ocuparem primordialmente este planeta, a total igualdade é impossível (e tenho lá minhas dúvidas se seria saudável), mas podemos lutar para que a desigualdade seja a menor possível.

Eu me definiria como um social-democrata. Penso que a social-democracia europeia é que o temos de mais próximo de um mundo justo, fraterno e coletivo. E também acho que o liberalismo norte-americano está no outro oposto.

Dito isso, eu gostaria de saber: o que o coitado do Karl Marx fez de tão grave para ser tratado nas igrejas como o filho de Lúcifer?

Eu fui criado em uma casa que pregava o seguinte: “Lula não pode ganhar a eleição de 1989, porque ele é comunista. Se ele ganhar, ele vai fechar todas as igrejas”. Eu ouvi isso inúmeras vezes sobre o presidente, que posteriormente ficaria oito anos no poder e nunca fecharia nem a mais modesta Congregação Cristã no interior de um povoado pobre do Nordeste.

Mas, voltando a Marx, já me peguei pensando: será que os irmãos o odeiam tanto por ele ter dito que a religião é o ópio do povo (frase não original dele)? A conclusão que cheguei: nunca vimos, em uma igreja evangélica, um terreiro, uma capela, um centro espírita ou uma mesquita pessoas anestesiadas com a religião, e principalmente com a religiosidade? A afirmação dele é absolutamente coerente para quem via de fora. Só não é verdadeira porque não contempla a proporção anestesiados versus pensantes. Mas para ele, que não era religioso, essa era uma analogia lógica.

Não tenho fundamentos estatísticos, mas creio que 99,5% dos evangélicos brasileiros não devem ter lido o Manifesto Comunista, como eu li. Então, não é de se estranhar que o vejam como um profeta do mal apenas por ouvir dizer. Reflito: não é o livro que mais gostei, nem o que menos, mas está longe de ser uma declaração de guerra aos cristãos ou algum tipo de Bíblia do mal.

Hoje, alguns malucos por aí chamam o PT de comunista, o que deixaria o próprio Marx com úlceras, já que nesse “comunismo” o Itaú bate recordes de lucros e há uma bolha imobiliária. Mas essa designação a gente bota na conta da ignorância geral do povo.

O PT hoje ocupou o posto de partido social-democrata mais forte do Brasil. O PSDB, que tem a social-democracia só no nome, pulou para a direita ideológica, muito mais próxima de Bolsonaros que de qualquer coisa que possa ser chamada de social. Então, irmãos, gravem: nem o PT é comunista, nem o comunismo é o fim do mundo. A prova: Cuba, um dos países socialistas mais conhecidos do mundo atual, tem 60% de católicos.

A partir disso, vamos formatar o que há de preconceito em nossos cérebros e começar a raciocinar sem paixonites ideológicas.

Aliás, a mesma pergunta do título deste artigo poderia ser aplicada para John Lennon. Só porque o coitado disse uma vez que era mais conhecido que Jesus — declaração pela qual se desculpou incontáveis vezes —, transformaram-no em um demônio. E foi crucificado só porque também disse certa feita que a religião dopa as pessoas, como se nós nunca tivéssemos cruzado nos cultos com irmãos que espiritualizam qualquer coisa, até o copo que cai no chão.

O mais engraçado disso tudo é: nenhum de nós sabe, porque não nos foi dada essa prerrogativa, se Marx terá um lugar no paraíso. Já imaginaram se trombamos com o barbudão por lá? Imaginem a cara do Silas Malafaia!

*Denis Eduardo Serio é jornalista, evangélico de berço e progressista de adulto