O pernóstico silêncio evangélico ante a apologia ao estupro

Por Denis Eduardo Serio

bolsonaroTenho mais de 200 evangélicos em minha timeline. Fiquei paralisado ao não ver uma única reação de indignação desse grupo nesta semana com a apologia que o deputado federal Jair Bolsonaro (PP) fez ao estupro. Pior, vi defesas.

Antes que meus amigos todos me excluam do Facebook, faço aqui uma separação. A maioria não gosta de usar a rede social para temas políticos, debater tais assuntos ou expor a sua opinião. Isso é absolutamente respeitável. Embora eu considere uma lástima para o país que pessoas não queiram se aprofundar na política, os perfis não têm necessariamente um caráter opinativo e, portanto, cada um usa o estilo que bem entende. Porém, há vários também que são ativos no panorama de Brasília e outros que, embora se calem por quatro anos e não saibam nem o nome de três ministros do STF de cabeça, aprazem-se em xingar os outros de burro em época de eleição. Mas enfim, isso é um tema para um psiquiatra, não um jornalista.

Para os que não compreenderam a gravidade da situação, ofereço um resumo. O parlamentar, um representante do povo no Congresso, disse para a deputada Maria do Rosário (PT) que “não a estupraria porque ela não merecia”. Invertendo aritmeticamente os fatores, temos o seguinte produto: “Se você merecesse, eu te estupraria”.

Além de ser quebra de decoro configuradíssimo, a frase de Jair Bolsonaro é muito mais pérfida do que se pode imaginar. Ela incentiva diretamente e dá o empurrão final para que um cidadão propenso a esse tipo de crime o cometa, desde que considere a vítima uma gostosa. Logo, mulheres bonitas, fiquem longe das ruas, e nem cheguem perto do Planalto Central.

Se o silêncio evangélico fosse apenas falta de tempo ou descuido, eu estaria dormindo em vez de escrever este texto. Mas eu sei que a verdade é bem diferente. Por Jair Bolsonaro ser um opositor do PT, criticá-lo e cassar o seu mandato significaria uma voz a menos para combater a esquerda, mesmo sendo ele um potencial estuprador confesso.

Será que a igreja norte-americana ficaria calada se alguém dissesse a Hillary Clinton que só não a estupraria porque ela não merecia? E se fosse um alemão, proclamando distinta pérola para Angela Merkel? Um dos motivos que levaram à diminuição (não extinção, vide Ferguson) da segregação racial dos EUA foi o fato de um evangélico, Martin Luther King Jr., ter se levantado contra algo que era absolutamente anticristão. Quem quer ser luz no mundo não pode apagar a lâmpada diante de Bolsonaros, apartheid e afins.

Desde o acontecimento com Maria do Rosário, Silas Malafaia já publicou inúmeros posts em seu Twitter. Claro que nenhum condenando o deputado monstrengo. Rachel Sheherazade, outra conhecida evangélica, saiu em defesa de Bolsonaro, e para tal usou uma notícia falsa.

Depois ainda se perguntam por que há tanto preconceito contra os evangélicos. O silêncio e a indignação seletiva que nos cercam enfraquece a nossa bandeira como grupo social que tem a ambição de ser reconhecido como exemplo na sociedade.

* Denis Eduardo Serio é jornalista, evangélico de berço e progressista de adulto

Cristão que apoia ditadura e golpe beija Judas e faz cafuné em Pilatos

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Por Denis Eduardo Serio

Recentemente, uma manifestação fascista (autoproclamada) em São Paulo surpreendeu ao lograr ter entre seus quadros dois seminaristas católicos. Outros protestos são chamados por aí de Marchas da Família com Deus. Há também os cristãos que abertamente e desavergonhadamente fazem campanha em suas timelines pedindo golpe, exaltando a ditadura militar brasileira e defendendo o impeachment da presidenta Dilma, como se a esta altura do campeonato isso também não fosse um golpe.

Certamente temos aqui uma evidência da falência do ensino bíblico nas escolas dominicais Brasil afora. Como um cidadão pode ler a Bíblia e achar normal que pessoas tenham sido torturadas e mortas por causa de suas opiniões? Diante da quantidade massiva de informações disponíveis e da história, que já está escrita, negar-se a reconhecer a gravidade dos atos do regime militar é como ser nobreza no Império Romano de 1 D.C.

Em qualquer estrutura religiosa sã, um fiel que postasse tais barbaridades em sua timeline seria afastado de suas funções eclesiásticas para um período de reciclagem bíblica e desintoxicação psicológica. Porém, no evangelho brasileiro, parece-me que as moedas de Judas não são um tesouro assim tão deplorável.

A mentira que causou a morte de Jesus, vista com o mínimo grau de antropologia bíblica, não foi nada além do que mais do mesmo na humanidade. Porém, hoje ela é um símbolo cristão que carece de simbologia prática.

Comparemos sociologicamente os cenários: uma pessoa que prega de forma diferente do que o status quo permite é delatada, perseguida, torturada e morta. Repararam alguma semelhança entre a morte de Jesus e a ditadura brasileira? Claro que não há comparação entre personagens, importância histórica, períodos e muito menos espiritualidade, mas o roteiro assusta de tão familiar.

Assusta por uma simples razão: sociologicamente Jesus era um ser humano de esquerda no contexto de seu tempo. Basta olhar as suas companhias para se dar conta de que elas não eram as mesmas que frequentavam a alta cúpula das famílias do poder. Por outro lado, o poder romano representava o que hoje chamamos de direita: uma força política conservadora na tentativa de manter o seu controle sobre os indivíduos e a sociedade.

Não estou falando que cristão deve ser de esquerda. Mas uma coisa é certa: antes de sair por aí proclamando que esquerdista é satanista, pense na vida daquele a quem chamamos de Salvador.

De fato, temos visto muito mais vergonha cristã vinda de evangélicos conservadores do que progressistas.

Lembro-me de uma vez que comecei a debater com um pastor que entrou na manada convertida à “odiologia”. O assunto era a crise na Santa Casa de São Paulo, causada pela falta de repasse do governo estadual do dinheiro investido pela União nas Santas Casas. Mas esse pastor insistia em falar que a culpa era do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad.

Foi só eu expor a ignorância dele em público no Facebook e escancarar para os fiéis que ele mal sabia do que falava que eu levei para casa uma “benção” de que eu perdera a minha salvação e iria para o inferno. Isso mesmo: nas entrelinhas, ele achou que Deus, em algum momento, deu a ele a prerrogativa de dizer quem seria salvo e quem não.

Ele é apenas a síntese da igreja ignorante que julga ser mais moral que o mundo, mas acha que a ditadura brasileira fez bem ao país.

*Denis Eduardo Serio é jornalista, evangélico de berço e progressista de adulto

O que Karl Marx fez de tão grave para ser odiado nas igrejas?

Por Denis Eduardo Serio

marx

Não sou marxista. Creio que para o marxismo ser possível, profundas mudanças sociológicas e antropológicas seriam necessárias. A primeira delas: a extinção da raça humana. Enquanto seres altamente vaidosos forem os que ocuparem primordialmente este planeta, a total igualdade é impossível (e tenho lá minhas dúvidas se seria saudável), mas podemos lutar para que a desigualdade seja a menor possível.

Eu me definiria como um social-democrata. Penso que a social-democracia europeia é que o temos de mais próximo de um mundo justo, fraterno e coletivo. E também acho que o liberalismo norte-americano está no outro oposto.

Dito isso, eu gostaria de saber: o que o coitado do Karl Marx fez de tão grave para ser tratado nas igrejas como o filho de Lúcifer?

Eu fui criado em uma casa que pregava o seguinte: “Lula não pode ganhar a eleição de 1989, porque ele é comunista. Se ele ganhar, ele vai fechar todas as igrejas”. Eu ouvi isso inúmeras vezes sobre o presidente, que posteriormente ficaria oito anos no poder e nunca fecharia nem a mais modesta Congregação Cristã no interior de um povoado pobre do Nordeste.

Mas, voltando a Marx, já me peguei pensando: será que os irmãos o odeiam tanto por ele ter dito que a religião é o ópio do povo (frase não original dele)? A conclusão que cheguei: nunca vimos, em uma igreja evangélica, um terreiro, uma capela, um centro espírita ou uma mesquita pessoas anestesiadas com a religião, e principalmente com a religiosidade? A afirmação dele é absolutamente coerente para quem via de fora. Só não é verdadeira porque não contempla a proporção anestesiados versus pensantes. Mas para ele, que não era religioso, essa era uma analogia lógica.

Não tenho fundamentos estatísticos, mas creio que 99,5% dos evangélicos brasileiros não devem ter lido o Manifesto Comunista, como eu li. Então, não é de se estranhar que o vejam como um profeta do mal apenas por ouvir dizer. Reflito: não é o livro que mais gostei, nem o que menos, mas está longe de ser uma declaração de guerra aos cristãos ou algum tipo de Bíblia do mal.

Hoje, alguns malucos por aí chamam o PT de comunista, o que deixaria o próprio Marx com úlceras, já que nesse “comunismo” o Itaú bate recordes de lucros e há uma bolha imobiliária. Mas essa designação a gente bota na conta da ignorância geral do povo.

O PT hoje ocupou o posto de partido social-democrata mais forte do Brasil. O PSDB, que tem a social-democracia só no nome, pulou para a direita ideológica, muito mais próxima de Bolsonaros que de qualquer coisa que possa ser chamada de social. Então, irmãos, gravem: nem o PT é comunista, nem o comunismo é o fim do mundo. A prova: Cuba, um dos países socialistas mais conhecidos do mundo atual, tem 60% de católicos.

A partir disso, vamos formatar o que há de preconceito em nossos cérebros e começar a raciocinar sem paixonites ideológicas.

Aliás, a mesma pergunta do título deste artigo poderia ser aplicada para John Lennon. Só porque o coitado disse uma vez que era mais conhecido que Jesus — declaração pela qual se desculpou incontáveis vezes —, transformaram-no em um demônio. E foi crucificado só porque também disse certa feita que a religião dopa as pessoas, como se nós nunca tivéssemos cruzado nos cultos com irmãos que espiritualizam qualquer coisa, até o copo que cai no chão.

O mais engraçado disso tudo é: nenhum de nós sabe, porque não nos foi dada essa prerrogativa, se Marx terá um lugar no paraíso. Já imaginaram se trombamos com o barbudão por lá? Imaginem a cara do Silas Malafaia!

*Denis Eduardo Serio é jornalista, evangélico de berço e progressista de adulto

Onde nos perdemos pelo caminho?

caminhos

Por Denis Eduardo Serio

Para começar, preciso deixar muito claro uma coisa: não acho que todo evangélico deve pensar como eu, muito menos votar como eu. Pelo contrário, abomino tentativas de universalização de pensamentos, como houve na recente eleição. Vi pastores consagrados e outros surtados por aí dizendo que “se você é evangélico, é obrigado a votar em Aécio”. Nada pode ser mais arrogante. Então, não tomem este texto como um panfleto político, até porque meu voto no primeiro turno não foi na candidata do PT. Tampouco acho que este texto é direcionado a toda a população evangélica brasileira. Dilma Rousseff não teria sido reeleita se nós tivéssemos migrado 100% dos nossos votos para o candidato conservador. Mas me sinto praticamente compelido a tocar na ferida da igreja e tentar entender em que momento, entre o Gênesis e o Apocalipse, perdemo-nos pelo caminho.

Em que momento, entre o Gênesis e o Apocalipse, o povo evangélico começou a achar normal esquecer os ensinamentos de Jesus? Porque no Evangelho que eu tenho aqui na minha frente, posso ler “Tive fome, e me deste de comer”. Quando foi que modificamos o texto para “Tive fome, e me deste uma vara de pescar?”.

Vejo pessoas realizando doações para mendigos e comunidades pobres por meio de suas igrejas, mas essas mesmas criticam o Bolsa Família, mesmo diante das crescentes evidências de que ele é um sucesso retumbante, como a saída do Brasil do mapa da fome da ONU. Não teria uma ação governamental muito mais amplitude que nossas benevolências pessoais, muitas vezes carregadas de vaidade?

E pior, vejo cristãos xingando de vagabundos os beneficiários de tal programa, como se julgar pessoas que nem ao menos conhecemos fosse normal. Na verdade, só neste tema, vemos que muitos evangélicos brasileiros pegaram dois ensinamentos de Jesus, picaram e jogaram na fornalha ardente.

E em que momento, entre o Gênesis e o Apocalipse, passamos a acreditar que postar mentiras nas redes sociais com o fim de escarniar o candidato em que não votamos é uma atitude digna de um cristão? A quantidade de boatos e informações sem provas compartilhadas nas últimas semanas deixou qualquer pessoa de boa vontade chocada. Vi evangélicos compartilhando que Joaquim Barbosa havia aceitado convite de Aécio para ser ministro da Justiça. Também vi gente postando que beneficiário do Bolsa Família ganha R$ 2.500, ou que as urnas não aceitavam quando alguém digitava 45. O falso testemunho nunca esteve tão em moda nas nossas igrejas sociais.

Em que momento, entre o Gênesis e o Apocalipse, virou normal a falta de respeito a lideranças estabelecidas? Tudo bem se você não gosta da Dilma. Discordo da sua avaliação, mas respeito. Mas antes de postar bobagens nas redes sociais, os cristãos deveriam no mínimo lembrar que, para que tivéssemos a liberdade de vociferar nossa ignorância para que os outros a compartilhem, alguém há 30 anos estava no pau de arara recebendo choques e dividindo um quarto escuro com uma adorável jiboia.

Em que momento, entre o Gênesis e o Apocalipse, aprendeu-se que há um modo de produção único para que os cristãos apoiem, no caso o capitalismo? A Bíblia não defende modelo algum, mas ideias, e uma das ideias mais propagadas por Jesus e por diversos profetas é que o amor ao dinheiro é um dos grandes males do mundo. Portanto, meu irmão, você pode ser socialista numa boa e continuar evangélico. Mas é preciso lembrar que qualquer pessoa que chame o governo petista de socialista deve também acreditar em unicórnios e renas voadoras.

Em que momento, entre o Gênesis e o Apocalipse, transformou-se em fato admirável que pastores tomem o dinheiro investido por pessoas para o ganhar de almas e façam de seus programas meros panfletos partidários? E pior, em que momento foram outorgados por Deus a essas pessoas os títulos de representantes absolutos dos evangélicos? Toda vez que vejo um deles proferir a frase “nós, cristãos, temos que” sinto uma ojeriza que mal posso explicar.

Em que momento, entre o Gênesis e o Apocalipse, defender uma ditadura que matou e torturou tanta gente virou sinônimo de bom caráter? Hein? Digam-me, por favor.

Como temos a certeza de que estamos entre o Gênesis e o Apocalipse, resta-nos uma solução, meus caros: encontrar onde nos perdemos e tentar levar um pouco de bom senso a essa teologia do ódio que tomou conta de boa parte dos púlpitos. Estou à procura.

*Denis Eduardo Serio é jornalista, evangélico de berço e progressista de adulto